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Uma das marias. Elas são várias, passeando por aqui.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Marmede


Talvez o que era preciso era ter,
ao pé de si, um pequeno mar.
Bastava ser um pequeno mar azul, 
com enseada na qual viessem descansar, 
por vezes, algumas gaivotas barulhentas.
Bastava que houvesse alguns barcos balançando ao sabor das ondas
bastava que fosse possível mergulhar, dois, três, metros de profundidade
para encontrar peixes raros, de multicores.
Bastava que fosse fria a água.
E o sol, quente...

Era só isso que precisava para sentir-se, do mundo a mulher mais rica.

Sentia que precisava disto.
Encontrar-se, de novo, em seu estado líquido.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Dulce

"Obrigado", ele disse.

Foi como se um balde de água fria tivesse sido despejado da janelinha sorrateira do "Acarajé da Baiana" bem em cima de sua recém escovada cabeleira.

Podia ter sido um "ok, um beijo", ou "tá bom, beijinho", "tá, beijão", qualquer coisa que não fosse aquele "obrigado", seguido de constrangedores segundos de silêncio.

De repente a ficha caiu.

Ela não retornaria às 18 horas como combinado. E nem às 20h00. Talvez nunca mais.

É que ,de uns tempos pra cá, vinha se sentindo assim: dramática.

O "caminho do meio" árduamente aprendido se estreitava à sua vista. Agora só vislumbrava o "8" ou o "80". O tudo ou o nada. O frio ou o quente. Queria mais ou menos. Totais definidos. Aquele "obrigado", então, selava o fim.

Nem mais, nem menos, nesse caso: nada mais!

Tudo o que pode perceber da confusão dos seus sentimentos é que queria pegar o "cruzeiro" só por que o "cruzeiro" demoraria mais a levá-la para casa e queria ir pensando pelo caminho sobre que frase escreveria em sua mensagem de msn ao chegar. E também queria decidir o que fazer do lindo caderno do PEQUENO PRÍNCIPE que acabara de comprar na Livraria Travessa.

Será que o adotaria para "pícolos pensamentos" de alguma espécie ou o daria de presente de Natal?

Assim que chegou em casa correu ao quarto do filho e resgatou a antiga edição - capa dura -do PEQUENO PRÍNCIPE, de Antoine de Saint Exupéry ( afinal, não é que ele - seu filho -tivesse se identificado tanto assim com seu pequeno tesouro).

Pelo caminho, no ônibus, vinha relembrando trechos decorados muitos anos atrás:

- Quem és tu? perguntou o principezinho, És bem bonita!

- Sou uma raposa...

- Vem brincar comigo? Estou tão triste!

-Eu não posso brincar contigo, disse a raposa. Não me cativaram ainda...

-Ah, desculpa. Que quer dizer cativar?

-Tu não és daqui, que procuras?

-Procuro os homens. Que quer dizer "cativar"?

-Os homens tem fuzis e caçam. É bem incômodo. Criam galinhas também. É a única coisa interessante que fazem. Tu procuras as galinhas?

-Não, eu procuro amigos. Que quer dizer "cativar"?

- Ah, é uma coisa muito esquecida. Significa "criar laços"...

-Criar laços?

-Exatamente, disse a raposa. Tu não és ainda para mim senão um garoto exatamente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo..."

"...mas se tu me cativas teremos necessidade um do outro..."

Digitou no msn: "mas se tu me cativas..."

Abriu o caderno. Escreveu:

Nome: Dulce

Curso: Sobrevivência no Asteróide 957

Estava um pouco triste.

Como o principezinho, lembrava-se de uma flor guardada em algum outro planeta.

Era assim que Dulce se sentia quando inaugurou o lindo caderno recheado de estrelinhas, principezinhos, flores e baobás...

Sentia-se distante. Presa em seu deserto...

Ela também deixara-se cativar por uma orgulhosa flor que habitava protegida por uma redoma de vidro, em outro asteróide qualquer, muitos anos luz de distância...

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Madalena

Na noite anterior havia ido ao show do padre Fábio. Ela o admirava pela intensidade de suas palavras, pela verdade que inspiravam suas falas. Foi sozinha, recompensada por este sentimento de preciosa autonomia. Desde a adolescência apreciava o caminhar por aí, silenciosamente, sem ter que dizer a ninguém para onde se dirigia. Muitas vezes ela mesmo não o sabia... Saia de casa, sem lenço, sem documento, sem destino. Seus pés a levavam pelas ruas do bairro. Parava aqui e ali para admirar a arquitetura de uma casa antiga ou a exuberância de uma mangueira despontando de um quintal. Achava, esta, uma visão estupenda: o verde vencendo a feiúra dos prédios de apartamentos absolutamente convencionais que o circundavam. Gostava de sentar-se na calçada de ruas tranqüilas e simplesmente usufruir do seu estar ali, viva, atenta, questionadora. Seus milhares de “por quês” afloravam nestas horas, mas nem sempre encontravam respostas. Ia deixando para lá os “por quês irrespondíveis” pois sabia que existia no pulsar do planeta muitos mistérios insondáveis. Mas a falta de resposta para uns, não impedia que outros “por quês” aflorassem. Tudo lhe dizia respeito e isso era meio chato. Ressentia-se de não ser apenas mais uma jovem Maria preocupada com a combinação dos sapatos com a bolsa, das meias com as calças, com a cor dos seus esmaltes, com o batom da moda, com a moda, da moda, da moda... Essas coisas não lhe importavam. Era bonita por natureza e fosse o que fosse que vestisse ou portasse estava sempre bem, atraindo olhares. Ser bonita, no entanto, não era um passaporte carimbado para a alegria (disso talvez não soubessem as consideradas feias que tantas vezes lhe rejeitavam em clara demonstração de velada inveja): viver doía. Era nisso que pensava enquanto se dirigia para o show do padre pop. Ele também devia conhecer essa dor que não se apazigua pelo simples fato de se estar entre “felizes” e “realizados”. Realizar-se é um “objetivo” tão “subjetivo” e por vezes tão inatingível... Este padre, por exemplo, que luta para impor-se! Precisou explicar, mais ainda, lançar um grave apelo em seu blog, para que parassem de se preocupar com sua opção pelo celibato. Que parassem de tentar encontrar para ele - só por ser um homem jovem e muito bonito - uma mulher que lhe salvasse... De que mesmo? Ah, de Deus! Curioso como as pessoas sempre se arvoram em saber o que é melhor para os outros. Mas Madalena, desde que resolvera ouvir sua voz interior, sempre sabia o que era melhor para ela, embora o “melhor para ela” ainda não a livrasse de uma velha companheira de estrada: a dor. Ela sabia: viver dói, com lapsos de alívio e momentos de alegria bem fugazes. O show estava cheio de gente feliz. Ela alegrou-se também. Cantou, cantou, louvou ao seu Senhor. Na volta pegou um pouco de chuva e agradeceu por esta água caída do céu. Aproveitou para agradecer também a providência de um ingresso ofertado por um estranho na entrada de um show para o qual os ingressos já haviam se esgotado há dias... E já que era momento de agradecer, agradeceu a Ela, que lhe tinha dado o sinal verde dos pássaros, quando saiu de casa, contra tudo e todos, em meio ao temporal, para assistir um show de ingressos esgotados. Do padre ouviu que o silêncio nos aproxima do querer de Deus. Que do silêncio vêm as palavras de um livro que Ele quer ditar nas páginas brancas das vidas que para Ele se abrem. Ela disse Amém. Na hora certa aqueles por quês haveriam afinal de encontrar suas respectivas respostas. Nunca é tarde para se encontrar o real sentido das coisas. Haveria de perscrutá-los sempre, como um vício de buscar por quês...

sábado, 3 de janeiro de 2009

Começo de ano. Continuo fuçando gavetas, mudando móveis de lugar, rasgando papéis, recortando jornais. Nessa compulsão de arrumar, deparo-me com um recorte cujo destino era o lixo. A mão já se preparava para embolar o papel, quando a letra de minha mãe, chamou a atenção: " Leonardo Boff" . Nunca consigo desfazer-me de um escrito de Leonardo Boff sem lhe dar uma última olhadinha... Esse falava de Artur da Távola, outra pessoa que nunca consegui ignorar, apesar de fazer um programa para a TV Senado... É que Távola tinha um jeito cativante, bonito de ser. Seu amor pela música, sua suavidade, sempre me chamaram a atenção. Mesmo que estivesse com pressa, mesmo que outros canais mais glamourosos me aguardassem com programas interessantes , se Artur da Távola estivesse falando dos metais, das cordas, dos solistas ou do regente de uma orquestra, pronto! Ali ficava eu, hipnotizada pelo seu amor à música...
Boff escreveu que "Távola era um homem de síntese, que alimentava inarredável confiança na melhoria do ser humano e da democracia". Não é lindo isso? Característica de uma alma pura... Mas Boff também escreveu que Távola - apesar de viver do seu compromisso político e do jornalismo - alimentava-se em outra fonte: o culto à vida interior. Imagino que também frequentava seus desertos ( os da espiritualidade). À Boff, solicitou, certa feita, como remuneração por uma palestra para jovens teólogos, as obras completas de São João da Cruz e santa Tereza D'Avila. E assim, lendo coisas que Leonardo Boff revelou de seu amigo que partira, fui descobrindo o por quê do fascínio que exercia em mim.
Quem não lembra que terminava seus programas sempre com a mesma frase: " Quem aprecia música, alimenta a vida interior. E quem tem vida interior jamais padecerá de solidão".
Um outro dizer seu que eu não conhecia Boff me reveleu no seu artigo: " Vivemos numa sociedade extrovertida. O sistema produtor precisa de extroversão para vender seus produtos. Necessita de pessoas com muitas vontades e desejos permanentemente irrealizáveis, pois serão potenciais consumidores. Mas o que precisamos é de pessoas satisfeitas com o que tem, conscientes, com opções, capazes da maior das liberdades, a interior, seres que consigam equilibrar a solicitação do mundo exterior com a demanda interior, a espiritual".
Sobre o amor, segundo Boff, ele dizia: " Amor só não basta. Ele precisa de respeito. Amor, só é pouco. Tem que haver inteligência. Tem que haver bom humor. Não adianta apenas amor. Tem que ter disciplina para educar filhos. Amar 'solamente' não basta. É preciso convocar uma turma de sentimentos para amparar o amor que carrega o ônus da onipotência. O amor até pode nos bastar, mas ele próprio não se basta."
Começo de ano é sempre assim: um eterno fuçar de gavetas, muitos papéis que se vão...
Mas este, já um pouco amarelado, guardei outra vez para não correr o risco de esquecer, que passou por este asteróide, um Cavalheiro da Távola: um Artur.
Ando feito louca, olhando para os céus. São os pássaros: eles me chamam. Cantam para mim. Assoviam pertinho dos meus ouvidos quando não os vejo... Sou obrigada a andar assim, feito lunática, olhando sempre para cima. E por isso, vejo, de repente, as cores mais incríveis. Um pedaço de sol, um trecho de azul, um peso enorme por ali... Vejo nuvens desenhando formas engraçadas. Vejo o céu dizer pra mim: era mentira que eu ia chover! Vejo-o esboçar seu melhor entardecer para encher de sentido a caminhada mecânica e rápida. Eles estão sempre lá, brincando comigo, em revoadas rasas, em vôos longos, em mergulhos no ar: meus lindos, lindos passarinhos, que me fazem olhar para cima. Um milagre absoluto, um presente de Deus. Amor daquela Maria por mim. Retribuo em louvor. Meu coração, feliz , explicita-se. Povoando meus dias, minhas tardes, minhas quase-noites, meus pássaros me fazem sorrir.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Sofia

Ela era assim: uma mulher alérgica a rejeição.

Sua incompatibilidade com a "recusa" do outro já lhe havia colocado em situações perigosas... Como da vez que entrou em uma contra-mão apenas para ouvir de seu namorado a resposta para o "por que" que lhe estrangulava a garganta. Por que não... se era ele o chato, o equivocado, o impróprio? Por que sentia-se no direito de lhe mandar cuidar da sua própria vida, quando ela só queria cuidar da vida dele? Quando estava ali tão apta a falar e ocupar-se das suas reticências, do seu desmedido egocentrismo, da sua loucura...

E agora, tantos anos depois, percebia seu erro. E agora, tantos anos depois, perguntava-se a si mesma por que perdera tanto tempo desconsiderando-se. Sim, devia ter cuidado da sua própria vida. Mas era teimosa, de uma teimosia cega. Precisava mudar o mundo. Levara a vida tentando mudá-lo, batendo contra todo muro que lhe surgisse pela frente. E finalmente, fazia progressos: sua redenção viera em forma de deserto. Deserto que atravessara em atitude silenciosa. Sem arroubos, sem resistências, sem revolta.

domingo, 21 de dezembro de 2008

Mundo dá volta, carcará...

Um dia olhou-se no espelho e sentiu-se inadequada. Sobravam pneuzinhos aqui e ali e nas coxas reparou o terrível aspecto “casca de laranja”. Resolveu fazer o teste do lápis debaixo dos seios: não caiu! Ficou preso debaixo das mamas! Achou que era o fim. Sem sombra de dúvida a decrepitude chegara em forma de adiposidades e celulite! “E agora?” pensou... “Vou me esconder dentro de casa. Nunca mais sair, a não ser à noite, quando todos os gatos são pardos, segundo a tradição...”. Pensando sobre a calamidade do envelhecimento aparente veio-lhe à lembrança o encontro, na fila do cinema, na noite anterior. Aquele rockeiro “tudo de bom” que não via há anos ( que achava absolutamente lindo em priscas eras), estava careca!!! Bem... carequinha, carequinha, não, mas calvo sim, muito calvo, bem mais calvo do que se desejaria para um “rockeiro de carteirinha” como ele. O pior era a “barriguinha”: um pouco inconveniente para quem ainda diz-se adepto das "guitarras distorcidas" . A lembrança do encontro tranqüilizou-a. Afinal, todos os seus contemporâneos estavam à bordo do mesmo barco... Mas e os novos conhecidos?
E aqueles que não sabiam como ela havia sido L-I-N-D-A ?
O que iriam pensar dela.... Não era possível sair mostrando a todos uma foto dos seus melhores tempos. E sua amiga, professora de dança do ventre, ainda lindíssima, tudo absolutamente em cima! E se topasse com ela na rua de repente... Onde esconder a vergonha, como justificar tamanho desleixo... Resolveu malhar escondido. Ia surpreender a todos na próxima “vestida de maiô”!!! Mas, como assim... Seu esporte predileto exigia “Maiô já!” . Era justamente nadando que conseguia os melhores e mais rápidos resultados... “Muito bem”, pensou, “já que não posso encarar o maiô em público, nadarei em meu quarto. Funciona muito bem...” Naquele dia seu filho chegou e encontrou a mãe batendo pernas e revirando braços em frente ao espelho. “ Que isso, mãe, pirou? que quê você está fazendo aí? imitando Elis Regina em Upa Neguinho na Estrada?” Que horror, que vergonha, ser pega assim de surpresa num desesperado ato de resgate do seu último fio de auto-estima. Encheu-se de brio: “não, estou nadando!”. “ O que? nadando no seco?” “Cada um nada onde quiser, praia, piscina, lagoa. Eu nado no quarto...” Sim! Era uma gargalhada o que ouvira em resposta e de repente a casa toda foi informada da mais nova modalidade inventada: costas enclausuradas em quarto ridiculamente pequeno ! Azar... que rissem! Não iria perder o foco: pernas ótimas, barriguinha sarada, triunfante retorno da cintura que se escondida por trás de ignóbeis massas de gordura trans. No almoço dispensou as fritas. Seu prato parecia uma floresta amazônica... Para não morrer de tristeza, embaixo das leguminosas e hortaliças, duas simpáticas colheres de arroz e três apetitosas colheres de feijão (a boa comida dos trabalhadores braçais). Não iria morrer de inanição. Precisava de energia para seguir nadando. Três dias de “costas” ao som de "Cidade Negra" foram suficientes para entender que precisava intensificar os exercícios, se quisesse entrar em forma em um ano, ou dois. Mas ainda não estava muito familiarizada com o “krau a seco” e “peito”, assim, vamos combinar, fazia sentir-se como uma desajeitada perereca fora dágua... Inadmissível. Demais para a dignidade de uma ex-linda mulher! Não acontecia há muito tempo, mas naquela noite uma inconveniente insônia pertubou-a. Estava quentíssimo. Ligou o ventilador: nada de pegar no sono. “Ok”, pensou, “ligo o rádio antes de apelar para as milagrosas gotas” ... Nada do que foi será, de novo do jeito que já foi um dia...” “Puxa, Lulu, assim também não, né?” Mexeu no dial, pra ca, pra lá... Yuppy!!! Amy!!! Atirou para longe o lençol: assim no escuro suas coxas não estavam tão mal. Levantou-as ao máximo para testar flexibilidade. Ok: conseguia ainda esticar as pernas sem esforço. Dobrou uma e depois a outra e mais uma vez e outra vez ainda. Santana cantava “ you’re so cool...”. Ela estendia e esticava os braços, o pescoço, a pélvis... Começou a lembrar-se de todos os movimentos de alongamento que praticava anos atrás. Era bom, assim na calada da noite, cuidar de si... Fez desta contingência um hábito e sentia prazer naquelas horas de intimidade consigo. Era como fazer amor. Seus movimentos foram se tornando mais lânguidos e, de uns tempos pra cá, ele vinha-lhe à lembrança: seu sorriso maroto, suas lindas coxas e o bumbum mais durinho que já apertara na vida. Sentia saudades do seu toque. Noites depois percebeu que seus músculos davam sinal de vida. Nem tudo estava perdido afinal. E o melhor é que redescobrira o amor. Não a ele, homem-alfa, perfeição da criação, corpo de divindade grega. Mas a si, mulher total, independente, viva. Uma frase rodando em sua cabeça nas sessões de ginástica noturna: “mundo dá volta, carcará.” Com certeza! Mundo dá volta, sem parar...