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Uma das marias. Elas são várias, passeando por aqui.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Sofia

Ela era assim: uma mulher alérgica a rejeição.

Sua incompatibilidade com a "recusa" do outro já lhe havia colocado em situações perigosas... Como da vez que entrou em uma contra-mão apenas para ouvir de seu namorado a resposta para o "por que" que lhe estrangulava a garganta. Por que não... se era ele o chato, o equivocado, o impróprio? Por que sentia-se no direito de lhe mandar cuidar da sua própria vida, quando ela só queria cuidar da vida dele? Quando estava ali tão apta a falar e ocupar-se das suas reticências, do seu desmedido egocentrismo, da sua loucura...

E agora, tantos anos depois, percebia seu erro. E agora, tantos anos depois, perguntava-se a si mesma por que perdera tanto tempo desconsiderando-se. Sim, devia ter cuidado da sua própria vida. Mas era teimosa, de uma teimosia cega. Precisava mudar o mundo. Levara a vida tentando mudá-lo, batendo contra todo muro que lhe surgisse pela frente. E finalmente, fazia progressos: sua redenção viera em forma de deserto. Deserto que atravessara em atitude silenciosa. Sem arroubos, sem resistências, sem revolta.

domingo, 21 de dezembro de 2008

Mundo dá volta, carcará...

Um dia olhou-se no espelho e sentiu-se inadequada. Sobravam pneuzinhos aqui e ali e nas coxas reparou o terrível aspecto “casca de laranja”. Resolveu fazer o teste do lápis debaixo dos seios: não caiu! Ficou preso debaixo das mamas! Achou que era o fim. Sem sombra de dúvida a decrepitude chegara em forma de adiposidades e celulite! “E agora?” pensou... “Vou me esconder dentro de casa. Nunca mais sair, a não ser à noite, quando todos os gatos são pardos, segundo a tradição...”. Pensando sobre a calamidade do envelhecimento aparente veio-lhe à lembrança o encontro, na fila do cinema, na noite anterior. Aquele rockeiro “tudo de bom” que não via há anos ( que achava absolutamente lindo em priscas eras), estava careca!!! Bem... carequinha, carequinha, não, mas calvo sim, muito calvo, bem mais calvo do que se desejaria para um “rockeiro de carteirinha” como ele. O pior era a “barriguinha”: um pouco inconveniente para quem ainda diz-se adepto das "guitarras distorcidas" . A lembrança do encontro tranqüilizou-a. Afinal, todos os seus contemporâneos estavam à bordo do mesmo barco... Mas e os novos conhecidos?
E aqueles que não sabiam como ela havia sido L-I-N-D-A ?
O que iriam pensar dela.... Não era possível sair mostrando a todos uma foto dos seus melhores tempos. E sua amiga, professora de dança do ventre, ainda lindíssima, tudo absolutamente em cima! E se topasse com ela na rua de repente... Onde esconder a vergonha, como justificar tamanho desleixo... Resolveu malhar escondido. Ia surpreender a todos na próxima “vestida de maiô”!!! Mas, como assim... Seu esporte predileto exigia “Maiô já!” . Era justamente nadando que conseguia os melhores e mais rápidos resultados... “Muito bem”, pensou, “já que não posso encarar o maiô em público, nadarei em meu quarto. Funciona muito bem...” Naquele dia seu filho chegou e encontrou a mãe batendo pernas e revirando braços em frente ao espelho. “ Que isso, mãe, pirou? que quê você está fazendo aí? imitando Elis Regina em Upa Neguinho na Estrada?” Que horror, que vergonha, ser pega assim de surpresa num desesperado ato de resgate do seu último fio de auto-estima. Encheu-se de brio: “não, estou nadando!”. “ O que? nadando no seco?” “Cada um nada onde quiser, praia, piscina, lagoa. Eu nado no quarto...” Sim! Era uma gargalhada o que ouvira em resposta e de repente a casa toda foi informada da mais nova modalidade inventada: costas enclausuradas em quarto ridiculamente pequeno ! Azar... que rissem! Não iria perder o foco: pernas ótimas, barriguinha sarada, triunfante retorno da cintura que se escondida por trás de ignóbeis massas de gordura trans. No almoço dispensou as fritas. Seu prato parecia uma floresta amazônica... Para não morrer de tristeza, embaixo das leguminosas e hortaliças, duas simpáticas colheres de arroz e três apetitosas colheres de feijão (a boa comida dos trabalhadores braçais). Não iria morrer de inanição. Precisava de energia para seguir nadando. Três dias de “costas” ao som de "Cidade Negra" foram suficientes para entender que precisava intensificar os exercícios, se quisesse entrar em forma em um ano, ou dois. Mas ainda não estava muito familiarizada com o “krau a seco” e “peito”, assim, vamos combinar, fazia sentir-se como uma desajeitada perereca fora dágua... Inadmissível. Demais para a dignidade de uma ex-linda mulher! Não acontecia há muito tempo, mas naquela noite uma inconveniente insônia pertubou-a. Estava quentíssimo. Ligou o ventilador: nada de pegar no sono. “Ok”, pensou, “ligo o rádio antes de apelar para as milagrosas gotas” ... Nada do que foi será, de novo do jeito que já foi um dia...” “Puxa, Lulu, assim também não, né?” Mexeu no dial, pra ca, pra lá... Yuppy!!! Amy!!! Atirou para longe o lençol: assim no escuro suas coxas não estavam tão mal. Levantou-as ao máximo para testar flexibilidade. Ok: conseguia ainda esticar as pernas sem esforço. Dobrou uma e depois a outra e mais uma vez e outra vez ainda. Santana cantava “ you’re so cool...”. Ela estendia e esticava os braços, o pescoço, a pélvis... Começou a lembrar-se de todos os movimentos de alongamento que praticava anos atrás. Era bom, assim na calada da noite, cuidar de si... Fez desta contingência um hábito e sentia prazer naquelas horas de intimidade consigo. Era como fazer amor. Seus movimentos foram se tornando mais lânguidos e, de uns tempos pra cá, ele vinha-lhe à lembrança: seu sorriso maroto, suas lindas coxas e o bumbum mais durinho que já apertara na vida. Sentia saudades do seu toque. Noites depois percebeu que seus músculos davam sinal de vida. Nem tudo estava perdido afinal. E o melhor é que redescobrira o amor. Não a ele, homem-alfa, perfeição da criação, corpo de divindade grega. Mas a si, mulher total, independente, viva. Uma frase rodando em sua cabeça nas sessões de ginástica noturna: “mundo dá volta, carcará.” Com certeza! Mundo dá volta, sem parar...

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Dulce

Atualmente andava alternando jeitos de ser. Ora muito alegre, ora desanimada, buscava reassumir sua vida. Não é que estava sendo fácil: afinal uma enorme manga rosa quase lhe atingira em cheio a cabeça sonhadora. Ela caíra de sua mangueira predileta: a que sempre abrigava em seus galhos maritacas verdinhas e barulhentas que ela amava de paixão. Dulce levou um susto danado com a queda daquela manga... Tinha doído! Não que a manga em si houvesse causado algum dano físico, pois Dulce, num ato reflexo bastante rápido, derivou para a esquerda. Tinha sido atingida apenas pelo vulto da manga assassina. O que doeu de fato foi a traição da árvore. Dulce não sabia, ou não imaginava, que sua amiga, podia, além de dar-lhe sombra e muitos momentos de aconchego e alegria, atingí-la assim, com um fruto quase mortífero. Passado o susto, Dulce tentava recuperar-se do trauma. Em primeiro lugar recolheu-se a sua insignificância: nada de tentar prever que surpresas reservariam as verdes e agradáveis estradinhas da vida. Havia jurado a si mesma nunca mais confiar cegamente em árvore nenhuma - principalmente as de ramagem muito espessa. Resolveu ter especial cuidado com as carregadas de frutos muito maduros. E tanto assumiu esta decisão que agora ao passar por outras árvores - até menos exuberantes- olhava com certa reticência para seus frutos. Havia mesmo reparado, dias atrás, que andava tomada de pavor por frutas muito saborosas! Também notara que atualmente preferia passar seu tempo a descascar limões para fazer limonadas, à sós consigo mesma. Perguntava-se a todo momento se este trauma duraria para sempre.... Quem sabe devesse procurar ajuda? Um terapeuta de confiança ou um amigo discreto com que pudesse compartilhar seu pânico. Pânico? Sim, estava com síndrome do pânico! Agora tinha certeza! Não tinha outra explicação sua atitude diante do jovem arbusto que lhe havia convidado para um simples café! Afinal, ramagem tão jovem assim poderia no máximo esconder pitangas vermelhinhas ( e pitangas não matam!). Mas, tinha achado melhor não facilitar... Vai que estas eram pitangas selvagens, venenosas. .. Não, não. Seria mais prudente seguir com os limões. Mais seguro e bem mais profícuo a longo prazo, pois é sabido e reconhecido que limonadas fazem bem à circulação sanguínea e cortam as indesejadas gorduras poli-insaturadas, quiçá também as trans! Que fossem catar pitangas outras "marias" menos previdentes, aquelas que nunca haviam sido (quase) mortalmente atingidas por mangas rosas madurinhas. Dulce seguia nesta linha de pensamento quando seu celular tocou. Do outro lado uma voz conhecida convidava para um suco de uva. Pensou, pensou... Ficou seriamente tentada. Mas uma vozinha interior continuava a lhe exigir: "cuidado"! Conversou com a voz: "Uvas são declaradamente boas para o colesterol... Que mal pode haver num copo de suco?" Sua boca encheu-se d’água: suco, cor de vinho, cor de néctar, desejo puro! Como dizer não... Café, vinho, suco de uva... Percebeu sua sede. Aceitaria o convite para o outro dia, quem sabe, desobedecendo "a voz" que seguia, moto continum, lhe dizendo que não, que não, que não. Naquela manhã, primeira coisa, abriu o jornal e leu todas as notícias e depois todas as colunas. Uma lhe chamou especial atenção, falava da sedução das frutas com suas lindas cores e apetitosos sabores. Imediatamente lembrou-se da traição da árvore e da horripilante experiência com a manga assassina. Decidiu que nunca mais tomaria um suco de uva na vida. Vinho então, nem pensar. Café, embora já manufaturado, também provinha de um fruto. Melhor descartar. Ferrou-se numa certeza absoluta: apenas os limões eram dignos de confiança. Não havia dúvida. Seriam seus únicos companheiros pela vida afora. Aquela decisão trouxe um sentimento de absoluta tranqüilidade e sua alma experimentou uma paz sem precedentes. De soslaio olhou para a janela. Havia lá fora um lindo dia de sol. Andorinhas voavam desenhando arabescos no vazio. Era a coisa certa a fazer! Impulsivamente desmarcou encontros daquele dia, a começar pelo terapeuta. Vestiu um par de leggings, camiseta, meias e os indefectíveis tênis pretos. Lá fora sentiu uma brisa suave no rosto. Apertou o passo: era gostoso caminhar assim, livre e só com seus limões. A voz interior tinha se calado também ( isso era bom): é claro que Dulce entendeu este silêncio como um sinal de aprovação. Foi caminhando. De repente sua cabecinha sonhadora já estava a pensar mil pensamentos: era verdade! Todas aquelas frutas remetiam à criação do mundo! Sorriu ao pensar na cena: de repente Eva tirava do seu lado um bom e poderoso limão e páh!!! tome distraído! de uma só e certeira limonada na cabeça vencia o ignóbil réptil tentador! Anotaria esta sugestão para a próxima Eva: “ Escolha sempre os limões!” Enquanto isso andorinhas davam vôos rasantes por ali, desenhando arabescos no azul. Dulce sorriu. Estava feliz.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

No planeta das boas lembranças...

Click to play que quiser saber onde ela está, siga o rastro das ovelhas...
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Uma coisa estranha começou a acontecer a partir daquele dia: uma preguiça... Queria fazer muitas coisas mas não conseguia começá-las. Queria fazer alongamento, mas seu corpo recusava o exercício. Queria pintar, mas o esforço de tirar as tintas do armário paralizava-a. Tinha vontade de postar um texto no recém-criado blog: nenhum assunto parecia suficientemente interessante. Queria dançar, arrumar-se...Continuava de camisola! Estava decepcionada com o desfecho de um amor relâmpago. Tinha receio de não recuperar-se jamais ( andava dramática). O Pequeno Príncipe tinha se tornado novamente seu livro de cabeceira. A frase Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas seguia recorrente em seu pensamento. Estava deprimida? Talvez. E agora voltava à cena, aquele velho amor. Requisitando-a, relembrando momentos especiais, fazendo convites. Ela não sentia nada. Nenhum desejo, nada. Admirava-se com esta súbita frieza. Quatro meses antes seu coração pularia de alegria por este retorno tantas vezes sonhado. O que era isso... Como explicar que um estranho tivesse tomado tamanho espaço em seu sentimento... A única explicação aceitável é que lhe havia permitido o precioso ato de cativar, “ um hábito muito esquecido....” como informara a raposa ao principezinho na tarde do primeiro encontro. Havia permitido que ele viesse a cada dia, quase sempre à mesma hora, fazer-lhe pequenos convites, um elogio, uma brincadeira. Permitira-lhe a expressão tão objetiva do desmedido desejo! Ele chegara, assim, on line, como um pequeno raio de sol a alegrar seu dias de trabalho. Sem se dar conta ela abrira grande espaço em seu sentimento. O que parecia simples brincadeira, havia se tornado - ela agora percebia - um ritual de conquista, uma importante "consolação" para a perda recente de um grande amor. Foi assim que, diariamente e pouco a pouco, ele deixou de ser “apenas uma raposa entre milhares de raposas para tornar-se a SUA raposa. Diferente de todas as outras...” Ela sentia-se como um pequeno menino perdido em seu deserto. Andava desconcertada, preocupada com uma flor que talvez nem existisse mais... e de qualquer forma, habitando em outro asteróide: longe, longe, um planeta inatingível! Então, na tarde nublada e silenciosa, uma canção no rádio indicou um novo caminho: decidiu-se a seguir vivendo, respirar fundo, retomar projetos. Perguntava-se se valeria a pena ainda lhe enviar um longo escrito (ele não gostava de escritos longos!) Tinha muito receio de parecer insistente, ou pior ainda, ridícula, inoportuna. Mas, ainda assim persistia o desejo de lhe dizer mais uma vez “gosto de você”, “sinto sua falta”, “não me deixe só”, ou quem sabe “vem brincar comigo, estou tão sozinha...”. Provavelmente faria como era seu jeito de ser: provavelmente correria todos os riscos e lhe enviaria, via email, seus pícolos pensamentos, mesmo que ainda lhe assombrasse, sobremaneira, a intensidade de seu terrível e desmedido desprezo.