Um dia olhou-se no espelho e sentiu-se inadequada.
Sobravam pneuzinhos aqui e ali e nas coxas reparou o terrível aspecto “casca de laranja”. Resolveu fazer o teste do lápis debaixo dos seios: não caiu! Ficou preso debaixo das mamas! Achou que era o fim. Sem sombra de dúvida a decrepitude chegara em forma de adiposidades e celulite! “E agora?” pensou... “Vou me esconder dentro de casa. Nunca mais sair, a não ser à noite, quando todos os gatos são pardos, segundo a tradição...”.
Pensando sobre a calamidade do envelhecimento aparente veio-lhe à lembrança o encontro, na fila do cinema, na noite anterior. Aquele rockeiro “tudo de bom” que não via há anos ( que achava absolutamente lindo em priscas eras), estava careca!!! Bem... carequinha, carequinha, não, mas calvo sim, muito calvo, bem mais calvo do que se desejaria para um “rockeiro de carteirinha” como ele. O pior era a “barriguinha”: um pouco inconveniente para quem ainda diz-se adepto das "guitarras distorcidas" .
A lembrança do encontro tranqüilizou-a. Afinal, todos os seus contemporâneos estavam à bordo do mesmo barco...
Mas e os novos conhecidos?
E aqueles que não sabiam como ela havia sido L-I-N-D-A ?
O que iriam pensar dela.... Não era possível sair mostrando a todos uma foto dos seus melhores tempos.
E sua amiga, professora de dança do ventre, ainda lindíssima, tudo absolutamente em cima! E se topasse com ela na rua de repente... Onde esconder a vergonha, como justificar tamanho desleixo...
Resolveu malhar escondido. Ia surpreender a todos na próxima “vestida de maiô”!!! Mas, como assim... Seu esporte predileto exigia “Maiô já!” . Era justamente nadando que conseguia os melhores e mais rápidos resultados... “Muito bem”, pensou, “já que não posso encarar o maiô em público, nadarei em meu quarto. Funciona muito bem...” Naquele dia seu filho chegou e encontrou a mãe batendo pernas e revirando braços em frente ao espelho. “ Que isso, mãe, pirou? que quê você está fazendo aí? imitando Elis Regina em Upa Neguinho na Estrada?” Que horror, que vergonha, ser pega assim de surpresa num desesperado ato de resgate do seu último fio de auto-estima. Encheu-se de brio: “não, estou nadando!”. “ O que? nadando no seco?” “Cada um nada onde quiser, praia, piscina, lagoa. Eu nado no quarto...” Sim! Era uma gargalhada o que ouvira em resposta e de repente a casa toda foi informada da mais nova modalidade inventada: costas enclausuradas em quarto ridiculamente pequeno !
Azar... que rissem! Não iria perder o foco: pernas ótimas, barriguinha sarada, triunfante retorno da cintura que se escondida por trás de ignóbeis massas de gordura trans.
No almoço dispensou as fritas. Seu prato parecia uma floresta amazônica... Para não morrer de tristeza, embaixo das leguminosas e hortaliças, duas simpáticas colheres de arroz e três apetitosas colheres de feijão (a boa comida dos trabalhadores braçais). Não iria morrer de inanição. Precisava de energia para seguir nadando.
Três dias de “costas” ao som de "Cidade Negra" foram suficientes para entender que precisava intensificar os exercícios, se quisesse entrar em forma em um ano, ou dois. Mas ainda não estava muito familiarizada com o “krau a seco” e “peito”, assim, vamos combinar, fazia sentir-se como uma desajeitada perereca fora dágua... Inadmissível. Demais para a dignidade de uma ex-linda mulher!
Não acontecia há muito tempo, mas naquela noite uma inconveniente insônia pertubou-a. Estava quentíssimo. Ligou o ventilador: nada de pegar no sono. “Ok”, pensou, “ligo o rádio antes de apelar para as milagrosas gotas” ... Nada do que foi será, de novo do jeito que já foi um dia...” “Puxa, Lulu, assim também não, né?” Mexeu no dial, pra ca, pra lá... Yuppy!!! Amy!!! Atirou para longe o lençol: assim no escuro suas coxas não estavam tão mal. Levantou-as ao máximo para testar flexibilidade. Ok: conseguia ainda esticar as pernas sem esforço. Dobrou uma e depois a outra e mais uma vez e outra vez ainda. Santana cantava “ you’re so cool...”. Ela estendia e esticava os braços, o pescoço, a pélvis... Começou a lembrar-se de todos os movimentos de alongamento que praticava anos atrás. Era bom, assim na calada da noite, cuidar de si... Fez desta contingência um hábito e sentia prazer naquelas horas de intimidade consigo. Era como fazer amor. Seus movimentos foram se tornando mais lânguidos e, de uns tempos pra cá, ele vinha-lhe à lembrança: seu sorriso maroto, suas lindas coxas e o bumbum mais durinho que já apertara na vida. Sentia saudades do seu toque.
Noites depois percebeu que seus músculos davam sinal de vida. Nem tudo estava perdido afinal. E o melhor é que redescobrira o amor. Não a ele, homem-alfa, perfeição da criação, corpo de divindade grega. Mas a si, mulher total, independente, viva. Uma frase rodando em sua cabeça nas sessões de ginástica noturna: “mundo dá volta, carcará.” Com certeza! Mundo dá volta, sem parar...